Serpent's Path (2024) - Crítica
Segundo filme de Kiyoshi Kurosawa lançado neste ano, foge do gênero terror, mas mantém trama de suspense com carga sobrenatural
Assisti a poucos filmes da carreira de Kiyoshi Kurosawa, mas oque sempre me surpreendeu em seus trabalhos é como ele lida com temas complexos de uma forma crua, sem se preocupar em explicar tudo ao público. O mistério e a dúvida, muitas vezes entrelaçada com um misticismo e psicologia, já faz parte de seus filmes que acabam explorando muitas vezes o sobrenatural como algo intrínseco do cotidiano. E em seu mais novo trabalho que também é um remake de seu outro filme de 1998, Serpent's Path (2024), não é diferente.
De acordo com o artigo “Fantasmas no cinema de Kiyoshi Kurosawa: desaparecer, reaparecer e presentificar” da pesquisadora Natália Mendes Maia, o cinema de Kiyoshi Kurosawa é fortemente associado a um passado histórico da figura do fantasma no folclore e no próprio gênero do J-Horror. Porém, oque difere Kiyoshi de outros diretores é a forma como ele lida com essa aura espiritual, envolvida em um contexto do cotidiano, aonde o sobrenatural não é apenas uma manifestação, mas algo que interage com o dia a dia de seus personagens, impactando suas vidas de forma psicológica e existencial. “Acreditamos que esses elementos auxiliam a compreensão sobre a iconografia dessas figuras e a relação com certos temas, como a desumanização frente aos progressos do capitalismo, a solidão, o desejo de vingança, a culpa” (Maia, 2021, p.30).
Em seu mais novo filme, o diretor explora o desejo de vingança ao mesmo tempo que mantém esse “ar sobrenatural” ao redor. Na obra, acompanhamos a dupla de personagens Sayoko (Kô Shibasaki) e Albert (Damien Bonnard) realizando um sequestro para obter resposta sobre a morte da filha do protagonista. Em teoria oque se inicia um sequestro contra o suposto “assassino” acaba se tornando em uma espiral de erros e consequências drásticas.
Albert é um jornalista que se infiltrou em um grupo chamado "Fundação" para investigar rumores sobre sequestros de crianças. Após não encontrar nenhuma informação relevante, ele decide se afastar do grupo. No entanto, após a misteriosa morte de sua filha em um assassinato brutal, o protagonista é consumido pela ansiedade e inquietação, passando a buscar, a todo custo, descobrir a identidade do responsável pelo crime e se ele/ela faz parte da Fundação.
Sayoko por outro lado, é uma médica misteriosa, que trabalha no mesmo hospital em que Albert se encontra. Ao se deparar com o estado do protagonista, nasce nela um impulso quase instantâneo em ajudá-lo. Porém se engana quem acredita que esta ajuda é devido a alguma simpatia pela dor do personagem. Sayoko será um gancho para que Albert a se tornar mais violento em diversas situações.
Após o sequestro inicial, o filme se desenrola com uma série de acontecimentos que deixam no espectador a impressão de que a situação é, ou um grande mal-entendido, ou que realmente aquelas pessoas são as responsáveis por tudo. Embora a trama envolva cenas de violência física, o verdadeiro ponto forte está na reflexão moral provocada, que instiga o público a questionar suas próprias percepções e julgamentos.
Um dos principais aspectos que me incomodaram um pouco foi a tentativa de humor durante as cenas de tortura do filme. A temática dos trabalhos do diretor já carrega uma energia "pesada" em sua fotografia, cenários e até nas atuações, e neste filme não é diferente. No entanto, essa tentativa de inserir humor acaba ficando desconexo, com o tom até então sombrio e perturbador que carrega a historia.
Se, por um lado, a atmosfera é um pouco ofuscada por uma tentativa de humor, por outro, a repetição acaba se tornando cansativa. O filme segue um ciclo de tentativa e erro, e à medida que avança, a falta de respostas dá a impressão que o diretor não sabe aonde quer chegar em sua conclusão. E quando finalmente obtemos alguma resposta, ela não surpreende e nem choca.
Por fim, fico feliz de ver que diretores como Kiyoshi estão cada vez mais se propondo a lançar mais de um filme por ano. Demonstrando que nem tudo é pensado somente em festivais e premiações, ás vezes é só pelo prazer em fazer filmes.
Nota para “Serpent's Path”: 3,5/5